domingo, 15 de setembro de 2013

MUNICIPALIZAÇÃO DO ENSINO FUNDAMENTAL

“O que pertence a todos 
deve ser decidido por todos” 
Leonardo Boff
A municipalização não é uma imposição ou uma obrigação legal, é uma possibilidade e esse processo pressupõe a abertura de espaços para a participação da sociedade nas decisões educacionais e a concordância, em relação aos termos e condições em que se dará a transferência pretendida. Ao administrador cabe justificar o interesse, a necessidade e a viabilidade de tal procedimento ser realizado.
       
A municipalização não se restringe à transferência de atividades educacionais de um ente para o outro ou ao atendimento dos alunos envolvidos no processo. Mas deve trazer a previsão dos recursos correspondentes para a execução das atividades assumidas bem como a transferência de recursos humanos, materiais e financeiros correspondentes.
O que ocorre historicamente na educação brasileira é a descentralização do ensino que cada vez mais fica sob a responsabilidade do ente da federação mais frágil em sua arrecadação orçamentária, o Município, portanto, em sua imensa maioria, dependente das transferências constitucionais da União e dos Estados, numa distribuição desigual de poder e recursos entre os entes federados. E, neste sentido os Municípios possuem uma situação extremamente precária, tanto financeiramente, como também de pessoal com competência técnica o que dificulta muito a sua implementação.        
Na área da educação, outras experiências de municipalização já foram realizadas, como é o caso da merenda e do transporte escolar que onera os Municípios. E vale lembrar que os Municípios que assumiram tais responsabilidades têm enfrentado reiterados problemas com relação ao repasse de recursos para o custeio das obrigações assumidas, seja pelo valor insuficiente, seja pelo atraso nas transferências. E no caso da municipalização da saúde, lembro o caos em que a mesma se encontra.
 A LEI Nº 11.126, de 09 de fevereiro de 1998, no art.1º, inciso IV.  Determina formas de colaboração com os municípios, na oferta do ensino fundamental, as quais deverão assegurar a distribuição proporcional das responsabilidades, de acordo com a população a ser atendida e os recursos financeiros disponíveis entre Estado e municípios.
       
O Estado possui atribuições e competências determinadas pela Constituição Federal e não pode utilizar a municipalização ou um convênio para desincumbir-se definitiva e totalmente de suas obrigações originais. Portanto ao pensar em aceitar um termo de colaboração ou mesmo em efetivar a municipalização de uma escola estadual, o município deverá observar com atenção o que dispõe o inciso V do artigo 11 da LDB. E isto não o isenta do cumprimento de suas competências constitucionais.

Ainda em relação à área de competência de Estados e Municípios, cabe citar as disposições da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, Lei nº 9.394/96, art.11, a qual define que os Municípios incumbir-se-ão de:
V – oferecer à educação infantil em creches e pré-escolas, e, com prioridade, o ensino fundamental permitido a atuação em outros níveis de ensino somente quando estiverem atendidas plenamente as necessidades de sua área de competência e com recursos acima dos percentuais mínimos vinculados pela Constituição Federal à manutenção e desenvolvimento do ensino.

Isso ocorre nos nossos municípios? Qual o percentual de crianças atendidas na educação Infantil e pré-escola? 
Dados nacionais registram que o número de matrículas de crianças em creches aumentou 54% entre 2000 e 2005, mas apenas 13% das 11,5 milhões de crianças de até três anos freqüentam creches. Apenas 10% das crianças menores de três anos de famílias com renda menor que um salário mínimo, estão matriculadas. Enquanto isso, um terço das crianças, na mesma faixa etária, provenientes de famílias com renda acima de três salários mínimos, estão matriculadas.
A Audiência Preparatória para o Seminário de Avaliação dos 10 anos da LDB, em 2007 divulgou que as Matrículas nas creches representavam apenas 14% da demanda e que a Média Nacional era de 31,2%, no RS de 27%. As Matrículas na Pré-Escola, em 2006 representavam apenas 8% da demanda,  a média nacional era de 76%, entretanto no  RS a média era de 57,3%.
Para mudar este quadro é fundamental que os gestores municipais invistam e priorizem a Educação Infantil em creches e pré-escolas que é de sua responsabilidade, embora com recursos insuficientes, eles são repassados pelo FUNDEB. Idêntico recurso que será repassado ao Município, pelos número alunos das Escolas Estaduais que serão Municipalizadas.
O FUNDEF será o responsável pelas verbas até 2020, hoje os recursos, mesmo que escassos, existem, mas e depois se não houver uma Reforma Tributária justa?

A municipalização definitiva em relação à educação infantil pode ser coerente e encontra respaldo na legislação vigente, uma vez que esse nível escolar é atribuição constitucional do Município. No entanto, não parece razoável a municipalização do ensino fundamental, já que esse nível de ensino, muito embora seja compartilhada com o município, é de competência e responsabilidade também do Estado “de acordo com a população a ser atendida e os recursos financeiros disponíveis entre Estado e municípios.” (LEI Nº 11.126/98)

Muitos educadores e Entidades de Trabalhadores em Educação criticam a municipalização, já que o processo tem se prestado, na maioria das vezes a uma exclusiva desresponsabilização financeira e administrativa do Estado, ou seja, ao invés de promover a universalização do ensino através de ações de cooperação e colaboração, transferem para o Município as obrigações que originariamente são do Estado.
Situação que, muitas vezes, agrava-se em razão de que os valores previstos para o repasse financeiro são insuficientes para a cobertura de todas as atividades que serão realizadas pela municipalidade. 
A possibilidade de o Município assumir escolas da rede estadual está sujeita ao cumprimento dos requisitos impostos também pela Lei de Responsabilidade Fiscal. Esse dispositivo reafirma o sistema de competências e atribuições próprias de cada ente federativo. Ou seja, somente se justifica o custeio, pelos Municípios, de despesas de responsabilidade do Estado ou da União se houver autorização legislativa para tanto, previsão nas Leis Orçamentárias e a existência de convênio, ajuste ou congênere.
Observando do princípio da legalidade, a Administração precisa analisar a legislação local, com o objetivo de estar respeitando a mesma. Sem isso, é irregular a realização de qualquer despesa nesse sentido.
Em 2006, a Comissão de Municipalização do Ensino Fundamental, da Assembléia Legislativa do RS, orientou que:
- A realização dos convênios deverá observar o disposto no art. 62 da Lei de Responsabilidade Fiscal, considerando que os Municípios estão assumindo obrigações que são do Estado. Portanto, os convênios só poderão ser celebrados se existente autorização na Lei de Diretrizes Orçamentárias e na Lei Orçamentária Anual, e, que o artigo 62, da Lei de Responsabilidade Fiscal, exige a assinatura de convênio para que o Município assuma obrigação de outro Ente Federado.
Uma vez assumida a “municipalização” a “devolução” da escola para o Estado é difícil. Se o Estado alegar impossibilidade de reassumir suas obrigações, o Município será forçado a continuar prestando os serviços públicos, muitas vezes cessando escolas menores e do meio rural, lotando salas de aula de escolas centrais, continuando com o ônus, dificuldades, transtornos e perigos do transporte destes alunos.
O transporte escolar, se não for prestado pelo Município trará vários impasses com a comunidade e o Ministério Público, como já vimos. Aos Municípios não restaram outras alternativas, senão assumir as obrigações do Estado, realizar os serviços e assinar o convênio com a regularização da situação, mas, sem o repasse real dos custos.

A municipalização da escola estadual será administrada pelo Município, mas, o vínculo funcional dos professores e funcionários estaduais, continuará com o Estado? Portanto, é necessário ter claro o amparo legal para que eles atuem em estabelecimento de ensino administrado pelo Município. Quem pagará seus salários? Qual o regime previdenciário da sua aposentadoria?
O FUNDEB vincula 20% de todos os impostos, exceto aqueles arrecadados pelos municípios (IPTU, ISS e ITBI) e o Imposto de Renda Retido na Fonte, esta retenção dos recursos do fundo será destinado proporcionalmente ao numero de alunos atendidos pela rede ao seu responsável. Sua implantação será feita, de forma gradual, até 2010.

Anualmente é calculado o valor por aluno/ano, tomando como base: os recursos, provenientes da contribuição do governo estadual e dos governos municipais daquele estado, o número de alunos, de acordo com o Censo Escolar mais atualizado, das redes públicas de educação básica, estaduais e municipais.

E no mínimo 60% deste valor, recebido, deverá ser investido, no pagamento de profissionais do magistério da educação básica em efetivo exercício.

Pela imprensa o Estado pagará o salário dos professores que estiverem nas escolas Municipalizadas. Mas sem os 60% do valor do FUNDEB que deve ser investido no pagamento de profissionais do magistério, o Estado não receberá mais os recursos pelos seus alunos, transferidos para a rede Municipal, fica o questionamento: de que fonte sairão estes recursos se o Estado adota a política de reduzir despesas, de fazer “mais com menos”?

Com a troca de mantenedora diminuindo a necessidade de pessoal nas Escolas Estaduais e a EC 19 abrindo precedentes para demissões por excesso de pessoal, o gestor público municipal será responsável por estes colegas que são cidadãos do seu município, pagam impostos, podem aumentar o quadro de desempregados ou ainda a possibilidade de alterar o município de residência.  
O Decreto nº 37.290, de 10/03/1997 no seu Art. 1º determina que - O Estado e os Municípios envolvidos no processo de municipalização de estabelecimentos estaduais de ensino poderão firmar convênios entre si, regulando entre outros:
I - número e identificação dos servidores estaduais que permanecerão em exercício transitório nas escolas municipalizadas, sem prejuízo de seus vencimentos e demais vantagens inerentes ao cargo, à função ou local de exercício, inclusive a gratificação de difícil acesso;
II - forma e prazos para o Município suprir gradativamente as escolas municipalizadas com recursos humanos próprios.

Art. 4º - O retorno temporário ou definitivo de servidor estadual à rede estadual de ensino, que esteja em exercício em escola municipalizada, ou sua exclusão dos quadros de servidores estaduais, implicará no suprimento do recurso humano por parte do Município.

       
Outro aspecto que deve ser levado em conta pelo Município é a necessidade da ampliação de seu quadro de pessoal em razão do aumento da demanda no ensino local, os Municípios assumem ainda, a responsabilidade pela manutenção e pelos investimentos nos citados estabelecimentos de ensino (Lei nº 11.126/98, art. 6º, § 2º), e na hipótese de a cedência dos professores estaduais efetivar-se com vencimentos, o Município deverá compensar o Estado (Lei nº 6.672/74, art. 58, § 1º)
É possível e viável que o Estado faça a cedência de servidores ao Município. É necessário que o termo de convênio disponha sobre tal possibilidade, inclusive indicando à conta de quem correrá o ônus dessa cedência. Entenda-se como ônus da cedência, o valor da remuneração e encargos sociais do servidor cedido. Em ambos os casos se o processo se der para a diminuição de despesas como é o argumento do Governo do Estado do RS e a realidade dos Municípios, as conseqüências serão sentidas por quem necessita da prestação deste serviço, os nossos alunos.
       
O Parecer 867/ 2007 do CEED/RS, reforça a necessidade de abertura de espaços para a participação da sociedade nas decisões educacionais e diz:

Os processos de municipalização de escolas públicas estaduais devem ser instruídos com os seguintes documentos e informações:

 – correspondência da autoridade pública estadual com os argumentos e perspectivas quanto à melhoria na qualidade do ensino que motivam a municipalização da escola;
 - mapas ou outras indicações que demonstrem a localização das demais ofertas do ensino público no município, sob a responsabilidade do Estado;
 - cópia da Ata de reunião, em que conste a manifestação da comunidade escolar com a municipalização da escola estadual em questão, com a devida identificação dos integrantes do Conselho Escolar 
- a exposição dos motivos para assumir a municipalização da escola;
- declaração da autoridade competente sobre a capacidade financeira para a manutenção e conservação das escolas da rede pública municipal.

A municipalização do ensino, em especial do ensino fundamental, poderia ser um processo importante para efetivação da descentralização educacional, para a universalização do ensino obrigatório. Bem como para a elevação do padrão de qualidade, assim como para efetivação real da democratização e da participação da comunidade escolar nas políticas públicas para a Educação. Isto desde que a primeira medida a ser tomada fosse a descentralização dos recursos arrecadados através de impostos que se encontram assim distribuídos: mais de 60% ficam com a União, pouco mais de 20% são distribuídos entre os estados, e a menor fatia - menos de 20% é rateada entre os cinco mil municípios brasileiros.

Inconcebível, assim, é admitir a municipalização como forma de desonerar o Estado de suas obrigações em relação à educação, e esta parece ser justamente a intenção do governo Yeda, através da sua Secretaria de Educação.
       
“A qualidade deveria ser definida a partir das necessidades de cada aluno e não, quanto se tem para dividir, pelo número de alunos”.   Peter Moss.

        
                                               Marli H. K. da  Silva